matrioshka

sábado, 26 de junho de 2010

Existe uma lenda russa da qual eu gosto muito. Ela fala sobre um fabricante de bonecas que, um dia, fabricou sua obra prima. Uma boneca oca, chamada Matrioshka. Não quis vendê-la. Guardou-a para si. Quando a noite chegou, a boneca lhe disse: “Me dê uma filha!”. E assim o carpinteiro o fez. Cortou Matrioshka ao meio e colocou dentro dela outra boneca, também oca e menor que a primeira, dessa vez com o nome de Trioshka. Na noite seguinte, Trioshka fez o mesmo pedido. Mais uma vez, o carpinteiro procedeu da mesma maneira. Fabricou outra boneca, a qual chamou Oshka. Dela recebeu o mesmo apelo. Mas dessa vez foi mais esperto. Criou Ka, na qual desenhou um bigode, transformando-a em homem, para que não lhe pedisse mais filhos.
Sempre gostei dessa história, porque acho que ela vai além de um conto de fadas bonito. Acho que é sobre quem a gente tem dentro de nós. É como... Como Fernando Pessoa. Ele criou diferentes personalidades. Heterônimos. Reconhecia, sabiamente, que ninguém é só si mesmo. Nós somos vários de nós mesmos. Ou até vários dos outros. O problema é que ele foi o único vulgo são a ter senso de organização suficiente para dividi-las, nomeá-las, caracterizá-las. O resto de nós só vive numa bagunça.
Me tome como exemplo. Eu gosto de viagens. Muitas, muitas viagens. Mas odeio aviões, carros, navios, ou qualquer meio de transporte muito demorado. Talvez isso seja fruto da minha impaciência crônica. Paradoxalmente, gosto de trens. Provavelmente por causa da atmosfera que vem com eles. E pelos livros. Impressão minha ou trens e livros combinam muito? Vai ver é isso. Sempre fui apaixonada por todas as características dos livros. Dizem que a religião é o ópio do povo. Bem, na falta de uma religião fixa, os livros são o meu ópio. Esqueço do mundo. Devaneio. Como, por sinal, estou fazendo agora.
Aproveitando a citação de Marx, digo que nunca gostei muito dele. Ou do Robespierre. Ou do Bono Vox. Ou da Angelina Jolie. Até dos Beatles. Sempre fui muito capitalista. Fã da Maria Antonieta, da Carrie Bradshaw, do Truman Capote e sua Nova York da depressão, dos romances russos (pré-bolcheviques, por favor). Acredito na legalização do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da maconha.
E, apesar de tudo, vou votar na Marina nas próximas eleições, mesmo não tendo o menor saco para causas ambientais. Sou revolucionária preguiçosa, fazer o quê.
Preguiçosa, mas nunca passiva. Dramática esquerdista, mas com paciência zero para auto-comiseração. Não tenho paciência para tranqüilizar, aconselhar ou reafirmar alguém. Eu gosto de conversar, de fazer rir. Sei ouvir. Eu só não sei responder.
Não falo de sentimento. Até escrevo, mas falar, falar mesmo, é difícil. Acho que a melhor qualidade que uma pessoa pode ter é força. Força pra agüentar todos esses socos e chutes que a vida nos dá. Não sei se é saudável, mas o que eu queria mesmo era nem saber chorar.
Paixão sim, é um sentimento interessante. Pode-se ser apaixonado por tudo. Tardes com samba, bagunça e amigos. Manhãs de chuva, com camisetas velhas e companhias boas. Noites inusitadas. Pode-se ser apaixonado por pessoas, coisas, digas, lugares. Já mencionei pessoas? No meu caso, a paixão é por se apaixonar.
Sei de muita coisa. Sei de frustração. Sei que o Botafogo só anda passando por uma má fase.
Sei que saudade dói no peito. Que livros nos mudam. Que beijos nos viram a cabeça. Que sonhos e objetivos te constroem. Que cidades pequenas e provincianas rendem as melhores histórias. Que família é... É.
Sei também que sou feita de muitas, muitas coisas opostas. Sou feita de pedaços dos outros, pedaços meus, pedaços herdados, pedaços com defeitos de fábrica. Paradoxos, se você quiser um nome mais pomposo. Eu prefiro mosaico. Somos todos quebrados. Como eu já tinha dito antes, uma bagunça. Minhas características não cabem dentro do meu eu. Por isso é sempre melhor ter vários eus, pra dividir a carga. Mil personalidades dentro de uma pessoa só. Não tenho a coragem de Fernando Pessoa para me dividir formalmente. Sou então um heterônimo de mim mesma.
Uma Matrioshka.